sábado, 17 de dezembro de 2016

Uma aula de escrita com a vida de Stephen King

A primeira aula que eu me lembro de ter assistido em sala na época da faculdade de Comunicação Social, lá em 2009, foi sobre pirâmide invertida, a principal estrutura de um texto jornalístico. A professora pediu para que todos os alunos escrevessem em forma de notícia a história da Chapeuzinho Vermelho. Todo mundo errou? Sim, a sala inteira errou. Contamos a história como a conhecíamos, com começo (introdução), meio e um fim surpreendente. Acontece que em uma notícia, a parte mais importante - no caso, o final - tem que vir primeiro. Essa foi a primeira vez que olhei para um texto meu e pensei “tá TUDO errado, vou amassar essa folha, jogar no lixo e recomeçar”. E isso acontece até hoje: reescrevo milhares de vezes um texto. Se tem algo que ficou marcado pra mim é que a primeira versão nunca estará boa o suficiente. E se ela parece estar é porque com certeza tem algo errado. 

Eu também pequei muito em texto jornalístico porque sou uma pessoa adepta dos adjetivos. Sempre dou um jeito de colocar um “isso é incrível” ou “essa coisa aqui é realmente uma porcaria”. Em outra aula, lá pelo segundo semestre, recordo que escrevi um texto que li, reli, reescrevi e na versão para entregar para o professor eu tinha certeza que estava tudo perfeito e que merecia ganhar uma estrelinha dourada na testa. Só que é inadmissível você usar adjetivos em textos noticiosos. Eu também adorava usar artigos pra tudo: “o Fulano chamou a Beltrana para sair” em vez de “Fulano chamou Beltrana para sair”. E eu achava que estava ligando orações de maneira correta, quando na verdade estava enchendo meus textos de palavras desnecessárias. Ninguém precisa ler lero-lero no meio das notícias. Quem lê, procura por objetividade. E para que eu aprendesse de vez isso, meu texto precisou voltar cheio de riscos, correções e muita tinta de caneta vermelha.

Isso tudo voltou na minha memória, me deixando nesse clima nostálgico, porque estou lendo “Sobre a Escrita” de Stephen King e eis que chego numa parte em que o autor conta sobre a época em que trabalhou para um jornal, escrevendo artigos esportivos. Ele escreve: 

“Assisti a muitas aulas de literatura inglesa nos meus dois últimos anos na Lisbon, e também tive muitas matérias sobre redação, ficção e poesia na faculdade, mas John Gould, em menos de dez minutos, me ensinou mais do que qualquer uma delas. Gostaria que o original ainda estivesse comigo — ele merecia ser emoldurado, com todas as correções editoriais —, mas ainda me lembro bem de como era e de como ficou depois que Gould passou um pente fino no texto com aquela caneta preta”. 

Em seguida, o autor nos dá um exemplo de como foi escrito o texto mencionado e de que maneira foi corrigido: 
“— Quando você escreve, está contando uma história para si mesmo — disse ele [Gould]. — Quando reescreve, o mais importante é cortar tudo o que não faz parte da história”.
Essa foi a explicação de Gould (o editor) para Stephen. Nesse momento, o jovem Stephen afirma que teve uma revelação e se perguntou por que isso não era ensinado nas aulas de inglês. E eu me pergunto: é mesmo, por quê? Essa lição deveria ser ensinada em todas as aulas de gramática, de todas as línguas do mundo. Esse é o segredo de um bom texto, especialmente noticioso. Não cheguei nem na metade do livro, mas já posso dizer que as chances dele entrar em meus favoritos de 2016 são enormes.

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