sexta-feira, 3 de março de 2017

Como ler poesia?


Eu nunca fui muito fã de poesia, nem se quer arrisquei ler muitas nos meus vinte e tantos anos de vida, mas agora consigo pelo menos entender o por quê disso. Tirando algumas exceções, como “O Corvo” de Edgar Allan Poe, meu consumo desse tipo de conteúdo é praticamente nulo. Em partes, porque pouco entendo. Sempre achei que precisava-se ter uma vasta bagagem para conseguir compreender alguns versos, que isso era tarefa para poucos, que eu jamais entenderia as referências e até pensei que “não tenho alma de poeta para entender outro poeta”. Até que me deparei com uma ideia de que a poesia tem mais a ver com sentir, não com necessariamente entender tudo que está escrito e isso ficou guardado na minha mente. Eu sempre coloquei empecilhos para ler esse gênero, porque achava que teria que parar em cada palavra, pesquisar a vida do autor, entrar na mente dele, ler várias interpretações, para então fazer sentido. Ou seja, eu tirava todo e qualquer prazer que pudesse ter com esse tipo de leitura. Aí é como ler livro obrigado na escola: a gente pega birra mesmo.

Esse ano surgiu em minha caixa de entrada essa edição da newsletter Cartinha de Banalidades, escrita pela Stephanie Borges, onde a autora diz que “Chegamos ao ponto de haver pessoas que consideram não saber ou não conseguir ler poesia, e acho que muito disso é culpa da escola. Fala-se da poesia como gênero literário, figuras de linguagem e interpretação de texto mas não como uma ferramenta para lidar com a vida.” Foi como se eu fosse autorizada a ler poesia sem me preocupar com estudar tudo que envolve um verso, antes de saboreá-lo.

Fiquei com essas palavras ecoando em minha cabeça. O fato de eu sempre ter gostado de O Corvo, é porque muito li sobre ele e sobre seu autor (Poe!) e consegui entender tudo escrito alí. Claro que ainda sobrou espaço para sentir aquelas palavras, mas não foi de primeira que consegui. Me custou mais de uma leitura atenta. Confesso que a primeira vez, não fez muito sentido. E acho que minha paixão por esse poema tem muito a ver com tudo que acumulei sobre ele. Mas eu jamais conseguiria gostar de poesia se eu tivesse que fazer isso com todo poema lido.


Outro texto poético que mexe comigo é “O Uivo” de Allen Ginsberg, que em partes devo ao filme, que o ilustrou muito bem, aumentando minha compreensão. Fora esses, ainda guardo no coração alguns escritos mais conhecidos, como os que estudamos na escola, ou que me chamaram a atenção por algum verso e eu busquei disseca-lo, com mais leituras acerca, como é o caso de “Navegar é preciso”, de Fernando Pessoa. Ano passado, me apaixonei por Reverência ao Destino por culpa de (pasmem) uma citação do Padre Marcelo Rossi. Quando escrevi sobre “solidão” para a obvious, acabei lendo alguns poemas sobre o tema que gostei e citei os versos aqui. Em 2015, li “Um útero é do tamanho de um punho”, livro de poesias da Angélica Freitas e confesso que naquele momento cresceu um desejo de consumir mais poesia, mas que vinha acompanhado de medo.

A decisão, esse bicho muitas vezes atrasado, só veio mesmo nesse 2017, depois de ler essa edição de No Recreio, newsletter escrita por Anna Vitória Rocha, citando o poema Sob Uma Estrela Pequenina, de Wislawa Szymborska. Que poema, gente! Eu me lembrei daquela coisa sobre sentir o texto porque foi exatamente isso que me aconteceu: eu consegui sentir. E aí sim fez mais sentido do que se eu tivesse sentado e procurado a biografia completa de Szymborska ou se tivesse pesquisado a etimologia de cada palavra.

Depois disso, fui procurar nos meus livros e encontrei Baladas, da Hilda Hist. Juntando com a minha meta para esse ano de ler mais mulheres e mais autores brasileiros, o livro caiu como uma luva, tanto é que ele furou minha fila de leituras. E pela primeira vez, eu me permiti sentir, antes de me preocupar em entender. De escrita fácil, Hilda nos presenteia nesse livro com poesias que falam com a alma. A identificação que rolou com sua escrita foi maravilhosa e eu queria mesmo que mais pessoas sentissem isso.


Vejam bem, não estou defendendo que paremos de interpretar textos, de pesquisar referências, de entender mais sobre o universo do autor. Mas assim como começamos a ler livros mais leves na infância para depois evoluir para os de teoria, por exemplo, acho que gostar de poesia pode ser assim: começando com palavras simples que te toquem e depois, se realmente despertar interesse, passar para os mais “pesados”, com palavras difíceis, cheias de particularidades. E tudo bem ler um poema e interpretar totalmente diferente do que se esperava. A graça pode estar justamente aí: o autor planejou x, mas você encontrou antes o y. Depois você pode descobrir as reais intenções e tudo pode ficar mais claro! Assim como uma professora que tive na faculdade nos disse (e eu nunca esqueci), se te fez sentir algo, a arte cumpriu o seu papel. Vai ver o papel da poesia também é esse: te fazer sentir.

É cedo ainda para dizer que agora gosto de poesia, mas quero deixar claro que minhas tentativas com o gênero só começaram. Espero em breve voltar para contar sobre como me apaixonei por poemas e afins.

Enquanto isso, fiquem com o link de um dos meus poemas preferidos de Hilda em Baladas, que postei aqui. E só pra dar mais um gostinho bom, mais uns versos dela pra finalizar:

Me fizeram de pedra
quando eu queria
ser feita de amor.
 
(Hilda Hist)

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